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De alma lavada

Por: Pablo Faria

Há um bom tempo, Pedro não deixava o Beira Rio tão satisfeito. Sem pressa, esperou o público sair, olhando para o campo, o placar, e um grupo de torcedores que ainda cantava. Fechou os olhos, respirou fundo, tentando gravar também o cheiro do ar naquela tarde prazeirosa. Sua filha Ana e seu filho Renato o observavam curiosos, para depois imitarem seu gesto, numa cena engraçada.

- Ah, meus filhos, é disso que falo, é disso que falo! O Inter é esse aí, ó! Guardem na memória esse jogo e nunca deixem de cobrar menos do time. Nosso clube é grande! Grande! Tem que jogar como um! Aquela covardia e conformismo que temos visto não combina com nossa história! Ouçam o papai! O jogo de hoje mostrou nosso verdadeiro potencial!

Os olhos de Pedro brilhavam. Ana e Renato, ainda pequenos, com 7 e 5 anos respectivamente, não entendiam bem o que o pai queria dizer, mas sorriam alegres, contagiados pelo pai.

- Celeiro de Ases! Que beleza esse João Paulo! - ainda bradava, Pedro, até rouco de tanto comemorar, ao que Renato, empolgado, arriscava "É! Inter, Inter! Celeiro de time grande!", beijando o escudo na camisa e olhando para o pai ansioso, em busca de algum sinal de que tinha dito algo relevante. Pedro ria do filhinho, enquanto Ana puxava a mão do pai e dizia também, "Papai, tô muito feliz! O Inter é muito bom, né?", e sorria com aqueles olhinhos castanho-escuros, meigos e ingênuos.

Pedro se divertia vendo os dois. Acima do Inter, só mesmo sua família, esposa e filhos. Puxou-os pra junto de si e deu um abraço apertado em ambos, feliz por desfrutar de momentos assim com eles. Torcia para que seus filhos registrassem a imagem de um Inter brioso, raçudo e também técnico, como era a marca eterna desse clube.

Se Pedro não podia se empolgar muito, pois o time ainda não passava confiança, sabia que podia, ali, naquele momento, desfrutar da alegria genuína de vibrar por seu time de coração, como se apenas aquela tarde existisse. Quando finalmente começou a descer a rampa, viu um grupo de torcedores cantando, em homenagem a um torcedor que falecera durante a partida. Soube que era um torcedor apaixonado, fundador de uma torcida organizada antiga do clube.

"A morte não é o fim", pensava Pedro. Embora pesaroso, não pôde deixar de abrir um leve sorriso, ao pensar que se havia um momento justo para a morte desse torcedor, este seria aquela tarde de apresentação de gala do Inter. "Sim", pensava Pedro, "a vida sabe equilibrar alegrias e tristezas e nesse dia, o fim da caminhada de um colorado foi celebrada com festa, alegria e bom futebol". Ergueu os olhos ao céu, agradeceu a Deus pela sua vida e de seus filhos, e pediu uma bênção ao colorado Marcelo, que partiu certamente com a alma lavada.

Quanto a ele mesmo, Pedro, só desejava que pudesse também partir em um dia assim.

Fonte: Blog Vermelho