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Paixão dividida

Eles dividem a bola e nós dividimos a TV
Foto: Alexandre Lops
É sempre dessa forma. Dois sofás, dois fanáticos e uma TV. Seria simples se os fanáticos torcessem para o mesmo time, mas a vida insiste em complicar. A estrela solitária brilha no lado esquerdo do peito de meu pai enquanto o sangue vermelho colorado pulsa dentro de mim. Não existem embates de qual time é melhor, afinal, a minha camisa possui mais estrelas que a dele. Mas só há uma TV.

"Eu vejo o segundo tempo", ele diz. "Mas o segundo tempo é que é o mais importante", eu digo."Por isso mesmo", ele diz. E fica nisso a cada jogo em que os times jogam no mesmo horário. É como a discussão entre Gegê e Thiago Carleto sobre quem bate a falta. Mas a gente discute pelo controle. Inclusive, sempre tem uma corridinha esperta para pegar o controle primeiro. E eu sempre perco, não tenho mais físico de jogadora, mas meu pai sim - tem alma e físico de jogador. A gente vê pelas pernas. 

 E se o time dele já caiu para a série B, não interessa. O que aprendi desses anos em que vivi o futebol foi que o amor pelo clube não se mede por divisão. Meu pai afirma que sente a mesma paixão pelo Cruzeiro mas eu sei que uma única estrela é mais forte em seu coração do que a constelação inteira do time mineiro. 

Não vi o gol de Taiberson contra o Veranópolis, pois assisti apenas o primeiro tempo, e o gol, claro, foi no segundo. Meu pai não viu o de Sassá contra o Cabofriense, que foi no primeiro tempo, pois assistia ao segundo. "Eu disse que eu tinha que assistir ao segundo", digo fechando a cara. Mas do que adianta? Desencontros são tão comuns quanto uma pipa caindo no gramado do estádio bem no momento da partida. Tem guri que não liga mesmo pra futebol. 

Não sei ao certo porque ele não seguiu carreira, mas devia. Se tivesse jogado pelo Botafogo com certeza haveria mais um estrela nessa camisa e o orgulho de ser botafoguense ultrapassaria tanto o carinho pelo cruzeiro que a raposa não seria vista nem de longe. 

Minha mãe, que gosta é de uma boa novela, passa pela sala e diz que somos malucos, por ficarmos gritando com a tv. Ela não entende a conexão de torcedor com jogador, a gente fala e ele escuta, entende? Mas ela ia gostar de ver o jogo com a atuação artística de Rafael Moura tentando cavar pênaltis e faltas. "Esse é um péssimo ator", ela diria. Nem o juiz mais tonto cai em uma dessas. 

Mas no final a gente se une à mesma curiosidade e assiste aos programas esportivos depois dos jogos para saber tudo que aconteceu na rodada. Vira uma conversinha de pai para filha, como a de Diego Aguirre e um torcedor colorado. 

Assim como eu já peguei um carinho especial pelo Botafogo, pois faz meu pai feliz a cada vitória, sei que ele também tem uma afeição pelo Inter, que faz sua filha feliz como nada jamais conseguiu fazer. Ele é grato ao Inter pela minha felicidade, e isso é recíproco. 

Só há duas soluções: torcer para que os horários dos jogos se adequem às nossas paixões incondicionais ou então comprarmos outro ponto de TV a cabo. O que sei é que tenho um pouco de Botafogo dentro de mim e ele tem um pouco de Internacional em si. 

Do alvinegro carioca ao alvirubro gaúcho existe um laço entrelaçado com uma história singular de família, futebol e sim, uma TV.